20 junho, 2006

Mecônio e o Casal Encantador

Gargalhadas satânicas ribombaram através dos corredores do castelo, chegando aos aposentos do rei Flátulo e da rainha Bufa, fazendo ambos saltarem das cadeiras e erguerem os olhares ao mesmo tempo.

– Isso só pode significar uma coisa, querida! – afirmou o rei.
– Sim, Flátulo! Precisamos comprar mais móveis para eliminar esse eco maldito! – respondeu a rainha.
– Não, Bufa! – esbravejou Flátulo – Significa que há uma bruxa neste castelo!
– Será mesmo? Sua mãe sempre avisa antes de vir, amor!

Sem paciência para dar explicações, o rei Flátulo convocou os soldados para uma busca no castelo. Não demoraram muito a encontrar a bela filha do rei e da rainha roncando de dar gosto na cama. Nas paredes do quarto, um bilhete escrito com tinta vermelha:

A princesa Ingrid foi enfeitiçada por mim e dormirá para sempre. Com isso, serei a mulher mais bela deste reino! Nhá-rá-rá-rááááá!
Assinado: Bruxa de Blergh.


– A mais bela do reino? Aquele tribufu? É piada isso, né? Nossa princesa dá de dez! – comentou um dos soldados.
– Também, se você for comparar com essas mocréias daqui... qualquer uma mais ajeitadinha fica linda! Até nossa princesa. – disse outro.
– É mesmo. Perto de uma bonita de verdade, a princesa Ingrid nem chama muito a atenção...! – comentou um terceiro.
– Aliás, sinceramente, eu sempre achei ela bem feinha!– palpitou um quarto soldado.
– CALADOS! – rosnou o imperador – Isso é uma tragédia!
– Hã, dá licença, rei Flátulo? – perguntou um quinto soldado, até então mudo, erguendo o dedo indicador com um semblante de impassividade fora do comum. – Acho que eu sei como resolver esse enrosco.
– Diga logo, soldado Mecônio! – espumou o colérico Flátulo.
– Tenho um irmão que trabalha de assistente de feiticeiro.
– Que feiticeiro?
– O Merlin.
– Que Merlin?
– Merlin Mensom. Ele me contou que, pra fazer uma bela adormecida despertar de seu sono, basta o beijo de um príncipe encantado. O reino mais próximo daqui fica a três dias de viagem a cavalo.
– Então o que você está esperando? Vai embora daqui e me traga esse príncipe!

Após ter-se arrumado, o soldado partiu em sua missão. Foi e voltou. Os soldados tiveram de fazer seus comentários:

– Demorou mais do que a gente esperava...
– E volta com essa mesma cara sem expressão!
– A gente fica sem saber se ele tem boas ou más notícias!
– Deixa, isso contribui pro suspense da narrativa!
"Esses aí mais fofocam do que trabalham.", pensou Mecônio.
– Então, Mecônio? – esbravejou Flátulo – Você foi e voltou sozinho! Cadê o príncipe encantado?
– Bem aqui, rei Flátulo! – retrucou o soldado, tirando de sua sacola uma caixa de sapatos cheia de furinhos. Destampou-a. O rei olhou no interior da caixa e não entendeu.
– Mas isso é um sapo!
– Não. Este é Ross, o príncipe encantado. Ou o senhor acha que todos os sapos têm olhos azuis, cabelos cacheados e usam uma coroa na cabeça?
– ROOOOOOOOSS! – coaxou o príncipe, em resposta, com "r" de mineiro.
– Pra ele virar príncipe de novo, precisa do beijo de uma princesa!
– Então ferrou tudo! – desesperou-se o rei – Se a princesa precisa de um beijo de um príncipe e o príncipe também precisa do beijo de uma princesa...!
– Ôôô, meu rei, calma! – tranqüilizou-o Mecônio, com um esboço de rascunho de sorriso – Se encostarmos os lábios do príncipe Ross nos da princesa Ingrid, resolvemos os dois problemas de uma vez só!
– Bem pensado! – sorriu o rei Flátulo.

Coube ao prestativo soldado Mecônio apanhar o enorme e redondo sapo-príncipe Ross e aproximá-lo da princesa adormecida Ingrid. Lábios se tocaram e uma repentina explosão de fumaças coloridas atirou Mecônio contra as portas do armário embutido do quarto. A poeira não tardou a dissipar-se, e rei e soldado contemplaram o belo príncipe, que voltara à forma original. Conforme Flátulo agitava as mãos a fim de dispersar a fumaceira, Ross tossia.

– Você conseguiu, Mecônio! – exultava o regente – Mas... Onde está Ingrid?

Um ronco chamou a atenção. Ross tinha-se encostado a uma parede. Caíra no sono. Mecônio levantou uma sobrancelha e Flátulo fez a coroa voar da cabeça, assustado. Sobre a cama, Ingrid, agora desperta, acomodava-se sentada sobre os lençóis, as louras madeixas e a coroa ornando-lhe a cabeça.

– IIIIIIIIn-grid! IIIIIIIIIIIIn-grid! – retrucou, admirando o pai com muita apatia, irreconhecível naquele corpo verde, arredondado, úmido e rugoso.

5 Comments:

Blogger Camila Fernandes said...

Giorgio,
Valeu pela visita ao Demo. Sim,o desenho foi feito no computador. Parece pintado � m�o, n�? A id�ia � essa: uma pintura menos "mec�nica", menos "calculada" e mais art�stica.
Que neg�cio � esse de montar um blog e n�o contar nada pra ningu�m, mo�o? Rs! T� certo, estou vendo que � recente.
Olha, n�o consegui ler o texto por causa da formata��o. T� muito embaralhado. Confesso que n�o sei te explicar como arrumar isso, pois meu blog foi montado pelo Tetsuo e eu mesma n�o entendo lhufas da linguagem que se usa para cri�-los. O Alexandre deve poder te dar uma orienta��o! Em �ltimo caso, use um modelo pronto que n�o este. Costuma dar certo!
Boa sorte,
Camila

junho 22, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Giorgio.
Já conheço esse seu humor de outros blogs. E devo assumir que estava com saudades dessas sacadas que só você tem.

E agora descobri que você é um homem multifacetado (sempre quis usar essa palavra!). Além de ótimo cronista, é um ótimo cartunista.

Desejo sucesso e sorte pra você. Porque talento você já tem.

Abraços!

junho 23, 2006  
Blogger Camila Fernandes said...

Giorgio,
Sobre "O sabor das primeiras":
Provavelmente um ano, no máximo dois.
Lembre-se de que em Necrópole Laura era uma menina de 20 anos. Ou uma mulher de 20 anos. Depende do ponto de vista - ou do que ela fez com esses anos. Na minha opinião ela era uma menina. Se ainda é, saberemos no próximo capítulo...

junho 26, 2006  
Blogger Camila Fernandes said...

Giorgio,

Eu me lembro de ter lido esse conto há um tempo. Apesar de eu não curtir muito comédia, acho que você se sai muito bem no gênero. As piadas desse conto de fadas virado do avesso são boas e ágeis, e a conclusão é um barato.

O papel de Mecônio poderia ser vivido pelo cãozinho Droopie, o "Mingau", não acha???

Agora, pelamordedeus, dá pra tirar esse comando dos comentários que faz a gente reproduzir uma linha de letras nonsense? Eu sei que é pra prevenir SPAMs, mas dá uma preguiiiiiiiiiçaaaa...

junho 26, 2006  
Blogger i said...

O conto é hilário! De onde você tira essas idéias?

junho 28, 2006  

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