04 julho, 2006

Um Trapalhão na Casa Branca


A vitória nas eleições inflava-lhe o ego, deixando-o esquecido da "ajudinha" proporcionada pelo sistema de voto indireto do país. Poucos meses o fizeram sair de "candidato igual ao outro" a "presidente da nação mais poderosa do planeta". O título o deixava arrepiado.
Na primeira noite na residência oficial, não conseguia dormir. Atribuía a insônia à euforia do momento. Ria por dentro ao recordar-se daqueles que profetizavam-lhe um futuro medíocre. Diziam não se poder esperar muito de um caipira beberrão e pouco inteligente. Teve vontade de ligar para uma sigla governamental com fama sinistra e mandar que sumissem com os autores de tais comentários. Não. Nada disso. Infantil demais, até mesmo para ele.
De pijamas e sozinho no escritório, decidiu aproveitar a noite. Deixaria para dormir depois do primeiro dia de trabalho como chefe de Estado. O que estaria passando na TV a cabo tão tarde da madrugada?
E eis que um calafrio dominou-lhe a espinha. Um redemoinho quis levar para longe papéis e badulaques em cima de sua mesa. Quase inconscientemente, abraçou tudo a sua frente, enquanto enrodilhava as pernas da cadeira com as próprias.
Dentro da sala, a ventania aumentava. Frio na barriga; seus pés haviam se distanciado do carpete, sua cabeça dirigia-se ao teto, e ele aos gritos. Do mesmo teto que encarava, insinuou-se um par de sapatos elegantes e baratos. Vieram a seguir calças riscadas, o paletó com gravata e a cabeça com o cabelo engomadinho, que formavam, diante do presidente, a figura de um senhor de idade indefinida que ele jamais vira antes.
Aquele que acabara de atravessar o teto tinha um olhar penetrante, embora inexpressivo pela falta de sobrancelhas. Trazia na voz uma cordialidade repleta de cinismo, quando cumprimentou o apavorado presidente que flutuava agarrado à mesa e à cadeira.
– Olá, "Presidente da nação mais poderosa do planeta"! Isso deve ter te arrepiado, hem?
– Q-quem é você? – perguntou; a voz quase não saía.
– Quem sou eu? Não contaram? Achei que já me conhecesse. Ou não comentam mais certas histórias por aqui?
A expressão abobalhada do presidente respondeu por ele. O elegante homem sem sobrancelhas olhou para baixo e suspirou.
– Tá, tá. Chega de teatro. Vamos descer.
E enquanto o presidente despencava quase quatro metros, freando a meio centímetro do piso, o fantasmagórico visitante deslizou com classe a mesma distância.
– Vamos lá. Detesto perder tempo! – impôs o misterioso ser – E pára de apertar esse botão aí na mesa para chamar a segurança! Ele não vai funcionar por enquanto.
Tendo notado que o presidente empertigara-se e cruzara os dedos das mãos perto do peito após seu alerta, o visitante prosseguiu:
– Muito antes de seu tataravô nascer, rapazinho, os homens que queriam que este país crescesse fizeram uma espécie de pacto. Comigo...
– V-você é o... o...
– Não. Este a quem você quer se referir está acima de mim. Então, como eu estava falando, foi feito um pacto. Em nome de um bem maior, todos os presidentes eleitos em anos terminados em zero morreriam antes de completar o mandato. Começou com o velho Abe Lincoln: 1860. Assassinado em 1865. Depois, McKinley, 1900. Assassinado em 1901. Frankie Roosevelt: 1940, no segundo mandato, morreu em 1945, um ano depois do terceiro mandato. O safado do Kennedy: 1960, assassinado "misteriosamente"... ah, ah, ah! Desculpe... em 1963... E veja só! Você, meu caro, eleito em 2000! Espere! Estou esquecendo alguém. O Ronnie Reagan escapou. Quer saber como?
– C...
– Sabia que ia ficar curioso! A mãe dele mexia com feitiçaria. Muito espertinha, protegeu-o batizando-o de Ronald Wilson Reagan. Veja que lindo: conte as letras de cada um dos nomes dele e você tem 6, 6, 6... Quer melhor proteção? Ah, mas se você se lembra, o Ronnie sofreu um atentado e, bem depois, morreu de Alzheimer. Eu tinha de botar um dedo meu nessa história!
O organismo do presidente não sabia se tremia, transpirava ou acelerava o coração.
– Pois bem, rapazinho... – concluiu o visitante, com tal desprezo que nem encarava seu interlocutor – escolha o ano em que você quer morrer para que o país dê outro salto de desenvolvimento.
Embora famoso pelo raciocínio lento, o presidente pensou rápido.
– Quero fazer um novo acordo com você!
– Já esperava uma atitude dessas. Que vergonha! Falta a você o que seus antecessores tinham, que chamamos de "noção de compromisso". Estou vendo que seu intelecto limitado sabe trabalhar muito bem quando se trata da sua própria vida. Sem problemas, rapazinho. Ofereço a você uma troca.
– Tudo bem. Leve a minha esposa!
– Posso acabar de falar? A troca não é de um para um. Preciso de mais almas. Coisa na casa dos milhares.
– Milhares? Como?
– Milhares! Os números que vêm depois da casa das unidades, dezenas e centenas. Matemática, ouviu falar? Arrume vítimas. Uma guerra civil, um vazamento nuclear "acidental", um novo Vietnã. Fica a seu critério, "Presidente". Sei que você vai ter uma boa idéia. Vou me manter informado.
Não houve alarde quando o visitante desapareceu.
Pronto, agora havia um bom motivo para insônia. Se ao menos pudesse controlar a natureza, mandaria um furacão para a América Latina ou um terremoto que soterrasse o Oriente Médio. Gastou o resto da noite em busca de uma solução.
Nos primeiros raios de sol no horizonte, agarrou o telefone e teclou uma série de algarismos que sabia de cor.
– Alô? Pai? Tudo bom? Mamãe tá bem? Desculpa a hora, é que... eu... o senhor pode me passar o telefone daquele amigo seu, saudita, com quem o senhor jogava xadrez? Preciso falar com o filho dele, o Osama, se não me engano. Não, não tem a ver com xadrez, mas com torres.